Morre Marcelo Beraba, mestre do jornalismo investigativo e ético, aos 74 anos

07/30/2025

01:38:16 PM

CIDADE

Foto: Divulgação/Abraji


Jornalista com mais de cinco décadas de carreira, Beraba foi referência na apuração rigorosa e no planejamento jornalístico, sendo o fundador da Abraji


Morreu nesta segunda-feira (28), no Hospital Copa D’Or, no Rio de Janeiro, o jornalista Marcelo Beraba, aos 74 anos. Diagnosticado em março deste ano com um tumor cerebral agressivo, Beraba travou uma luta intensa durante quatro meses, mantendo-se calmo e dedicado até os últimos momentos. Ele deixa um legado ímpar de mais de cinco décadas no jornalismo nacional, marcado pela ética, qualidade na apuração e pelo planejamento minucioso das coberturas.


Ao longo da carreira, Beraba passou por veículos renomados como O Globo, TV Globo, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Estadão, atuando nas redações do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Em todos esses ambientes, destacou-se pela organização exemplar e pela integridade na busca pela verdade, sempre evitando armadilhas apelativas e mantendo-se um passo à frente das notícias.


Beraba iniciou sua trajetória profissional em 1971 como repórter de O Globo, ainda durante o curso de Comunicação na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Seu nome se eternizou ao cobrir o caso Riocentro, em 1981, quando uma bomba explodiu no estacionamento de um evento de música em 1º de Maio, no auge da ditadura militar. Beraba foi um dos primeiros jornalistas a chegar ao local e obteve imagens cruciais da cirurgia do capitão ferido, que ajudaram a revelar a intenção do atentado, atribuída inicialmente aos opositores do regime.


A cobertura pioneira do caso Riocentro foi fundamental para fortalecer o movimento Diretas Já, deflagrado em 1984. Anos depois, em entrevista à Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), da qual foi fundador e primeiro presidente, Beraba ressaltou a importância da imprensa na defesa do Estado democrático de direito, sem atribuir o destaque à sua contribuição pessoal, mas ao esforço coletivo dos jornais.



Legado com a Abraji


A Abraji nasceu da inquietação de Beraba e colegas diante das ameaças à liberdade de imprensa e do desejo de aprimorar o jornalismo investigativo no Brasil. O assassinato brutal do jornalista Tim Lopes em 2002, que apurava a exploração sexual de menores em favelas, impulsionou a criação da entidade, que desde então atua em prol da qualidade e independência do jornalismo, conquistando importantes prêmios internacionais.


Além da sua contribuição para a formação da Abraji, Marcelo Beraba ocupou cargos de liderança em redações por mais de 30 anos, incluindo editor, ombudsman e diretor de sucursais. No Estadão, comandou as sucursais do Rio de Janeiro e de Brasília por mais de uma década, onde coordenou reportagens emblemáticas, como a publicação da “Lista de Fachin” durante a Lava-Jato. Sua postura sempre foi pautada pelo rigor na checagem de informações e pela elaboração detalhada das estratégias editoriais.


Mesmo após se afastar das redações, Beraba mantinha vivo o interesse pelo jornalismo e planejava escrever um livro sobre técnicas de apuração quando recebeu o diagnóstico que mudou sua vida. Fascinado pelo funcionamento do cérebro, passou a estudar o órgão que, segundo ele, “manda na nossa vida”.



Além das palavras


Nascido no Rio de Janeiro em 1951, Marcelo Beraba carregava consigo a essência carioca: amante do samba, dos botequins e torcedor apaixonado do Fluminense. Contudo, longe do estereótipo do malandro, ele era conhecido entre os amigos como “mestre”, título conquistado pela sabedoria, disciplina e pela generosidade em orientar novas gerações de jornalistas.


Marcelo deixa duas filhas dos dois primeiros casamentos, Ana Luíza e Cecília, e outras duas filhas, João e Olívia, frutos de relacionamentos posteriores, além de três netos que adorava. Sua companheira de mais de 30 anos, a também jornalista premiada Elvira Lobato, esteve ao seu lado durante todo o tratamento.


O jornalismo brasileiro perde uma de suas vozes mais respeitadas, cuja trajetória é inspiração para profissionais que valorizam a ética, a qualidade e a coragem na busca pela verdade.

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